terça-feira, 15 de abril de 2014

Amor de Marte

Tem sido difícil me inspirar
Na ocupação que a felicidade finge trazer
Na felicidade que o dia a dia finge ocupar
Ou na satisfação de ter por onde me encolher

Os olhos verdes me impedem a melancolia
Sua sutileza subtrai o sub-pensar
Seu sentido sem sermão me anestesia
O que sua ausência sem comprimir cai em pesar

Nesse seu jeito que não aceito
O pragmatismo e o objetivo de ver
Preto no branco, pelo branco no preto
Sem recriminar meu jeito enrolar de ser

Mas se ajeitar no meu peito
E aceitar meu pedido
Sem pensar se pode ser
De perder o respeito
Num momento acendido
Pode sempre, sempre ser

E ao que acesos estamos
Abraçamos, amamos e ilesos nos colocamos
A mirar o teto, quando olhamos
Nossos olhares surpresos
Na sua mania de me fazer peso
E me beijar os braços à cabeceira presos

Na inundação de um respiro
Fora dos planos, fora do foco
No seu desajeito com precisão
Colocou-me onde eu piro
Pôs-me onde jamais me desloco
E ficou me olhando ir na contra-mão

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Clareza

com ciência
não vejo a vida
que a consciência
a ver me convida

pois com ciência
a vida que vejo
é nada além de ensejo
que a consciência,
despida de ciência,
quando revida,
trucida

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Na vontade do Sol

Ventava. Era um dia qualquer do outono, o que em São Paulo não significa muita coisa. Em todo caso, as árvores estavam desfolhadas e, seu galhos, secos. Fazia frio na praça. O Sol, sempre um motivo de contemplação, se escondia. Não estava sociável, pra ninguém, salvo para as nuvens que faziam um belíssimo trabalho em ocultá-lo e ostentar a nós nada além de pequenas parcelas de raios. Só pra deixar na vontade.

Os desocupados que ocupavam a praça ocupavam-se também de se despreocupar. Tinham sacos coloridos de pipoca nas mãos, que tornavam tudo aquilo muito nostálgico e fazia do curso dos raios no céu cinza um lindo espetáculo (pelo menos um que merecesse uma pipoca). Em toda a extensão da praça, bitucas de cigarro e cangas com as pontas voando forravam a grama. Ventava, e o vento batia agressivo na pele. A maquiagem do céu continuava sendo o pequeno conjunto de raios escassos, num dia grisalho e com olheiras, sem vaidade ou rubor. O Sol descia e a maquiagem puxava de leve para os tons pastéis, mas ainda sem muita emoção. Cara-pálida esse céu.

Em meio à serenidade falsa na atmosfera, umas gargalhadas chegavam como numa invasão bastante agradável aos meus ouvidos. Aos olhos, aparecia no longe um sorriso sincero e, na pele, o vento era forte, ainda empenhado em cortá-la. Tudo isso era a felicidade de um homem lá longe, também grisalho e também com olheiras, como o céu, traduzida em sinestesia. O bem-estar na sua voz era uma metáfora pronta para invadir os sentidos alheios - e meus sentidos todos. Ele rolava pela grama dando motivos incessantes para que as gargalhadas de uma pequena menina se misturassem às dele e compusessem, sem querer, a sinfonia mais bonita que ouvi naquele dia. Com sete ou oito anos, a criança tinha pele branca e cabelos com todo o comprimento das costas. Ele usava calça jeans e camisa, embora não tivesse receio algum de sujar uma ou outra enquanto deitava e rolava de rir. Eram pai e filha, com certeza. Os dois riam do mesmo jeito, no mesmo timbre, no mesmo tom.

Passaram-se uns minutos assim e cessaram-se as gargalhadas. Ele agora falava sério com ela. Apontava, gesticulava, pedia com vigor. O que ele queria? Estava longe, eu não escutava. Estendeu a mão. Desconfiada, ela observou e hesitou. Ele insistia, repetia o movimento com a mão disponível e pedia ainda com mais insistência. O quê, não sabia dizer. Ela fez cara emburrada, deu finalmente a mão e, de nariz franzido, topou. O quê? Os dois andaram juntos e devagar em direção a uma corda bamba presa entre duas árvores, ele na frente. Depois de muito negociar, a menina presenteou o pai estendendo-lhe novamente a mão e, com uma ajuda, subiu na corda. Titubeou, levou um momento ou dois, e logo se equilibrou. O pai segurava os dedinhos e sorria um milímetro a mais a cada passo adiante na corda.

Imagino a pequena menina vinte anos no futuro. Sua memória afetiva certamente terá guardado o dia em que seu pai lhe forçou a andar na corda bamba do início ao fim. Ela terá virado uma ginasta olímpica, profissional de 'slackline', ou não. Fato é que ela se lembrará daquele dia pálido de outono, e de seu pai que sabia mais sobre sua capacidade do que ela própria aos nove anos de idade - e talvez ainda soubesse até hoje, duas décadas depois. Entenderá a força da ação e das gargalhadas do grisalho de jeans e camisa suja de terra, que naquele dia só precisou estender a mão algumas vezes. Perceberá que a confiança depositada por ele era maior que a que jamais tivera nesse tempo todo. Duvidará que vinte anos depois pudesse finalmente andar na corda bamba sem que lhe dessem as mãos, e então lembrará que o apoio do toque era caloroso, mas servia apenas de apoio, pois o passo a passo ela havia feito sozinha. Sorrirá então e, se tudo der certo, encontrará um meio de caminhar só, e de seguir caminhando sem o calor das mãos.

sábado, 19 de outubro de 2013

Flores de liz, colo de vó e a Rita Cadillac

Ela entrou ansiosa pelo aconchego eventual que quatro paredes - neste caso floridas - de um bar qualquer pudessem lhe proporcionar. 'Onze Graus Celsius' marcava o relógio da cidade, com sensação térmica de sete. Ou cinco. O asfalto era tão gelado quanto o contato dos dedos com o copo americano em seu mais glorioso estado: cheio. Pareceu-lhe conveniente e suficientemente brasileiro pedir um caldinho de feijão. Nada de harmonização, apenas goles quentes e gelados de sabores salgados e amargos, ou nostálgicos e terapêuticos (respectivamente, ou não). À mesa, o feijão e a cerveja, ambos em copo americano, cada um no seu.

Não fosse São Paulo, estranharia o mendigo na calçada se esquentando com a caixa de uma TV que deveria ter mais polegadas do que Hong Kong tem gente. Ele estava feliz, já que um menino de cabelo loiro conversava com ele tão proximamente quanto seu desapego social lhe permitia chegar. E digamos que ultimamente ele parecia empenhado no desapego - e o empenho crescia na mesma proporção da conta do bar. Ele olhava no olho do homem de rua, que aceitava o convite inebriado para se hospedar em sua casa. Enquanto isso, a moça que acompanhara o ariano politicamente correto até então olhava o céu e parecia ver ali a beleza que quem está bêbado e/ou entediado normalmente vê. Recentemente trocada pelos encantos desprendidos do nômade, decidiu-se por tentar fazer das meninas que fumavam ali umas amizades novas.

Papos metalinguísticos sobre a habilidade social empreendida pela necessidade do cigarro, do isqueiro e de afins não necessariamente lícitos desenrolaram-se para além do frio. E as risadas de inconformismo lúdico em direção ao menino loiro empenhado em salvar o mundo não cessaram até que um sanduíche chegasse à sua mesa, ele e seu recheio de frango, salada, catupiry e queijo amarelo. Clássico, porém vulgar. E indiscutivelmente apetitoso. Talvez por isso estivesse no cardápio sob o nome de 'Rita Cadillac'.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Papo bom

São Paulo, Vila Madalena, balcão do Bar Salve Jorge, 14 de Outubro de 2013, 21h36. E o diálogo que se seguiu.

- Você gosta de Britney Spears?
- Ahn?
- É, você tá aí, sozinha, cantarolando.
- Ué, tá tocando a música.
- Eu sei. Mas você conhece.
- Conheço. Tocou no rádio.
- Mas você gosta?
- Ahn?
- De Britney. Você gosta?
- Por que você quer tanto saber se eu gosto de Britney Spears?
- Sei lá. Ué. Você é bonita, parece inteligente, mas tá aí sozinha cantando Britney Spears.
- Hum. Pois é.
- Por quê, hein?
- Por quê o quê?
- Por que você gosta de Britney Spears?
- Eu disse que eu gosto?
- Não.
- Então…
- Mas não disse que não gosta.
- Ai! Moço, você tá bêbado.
- (Risos). Eu não estou não, também tô na primeira capirinha.
- A minha é caipiroska.
- Ah...
- É...
- Então você gosta de Britney Spears e de vodka.
- (Risos). Que obsessão!
- (Risos). Desculpa.
- Tá desculpado. Mas sim, gosto de Britney Spears e de vodka. Não necessariamente nessa ordem.
- Há!
- Ahn?
- Sabia!
- É, mas acho que seu interrogatório me fez gostar mais ainda.
- Impossível. Não entendo o que se passa na cabeça das pessoas pra gostar disso. E nem de dono de bar assim pra tocar.
- Que revolta!
- Não é revolta. É só gosto.
- Esses cultos dos dias de hoje em dia, viu?
- Que culto? Precisa ser culto pra perceber que isso aí é uma merda?
- Viu? Revolta.
- (Risos). Pode ser. Mas você é muito inteligente pra ficar ouvindo essas coisas.
- Moço, me dá mais uma dessa? Mas pede pra fazer mais fraca dessa vez? Brigada. Muito inteligente? Você nem me conhece.
- Ué, mas dá pra ver.
- Dá pra ver que estou num nível acima da Britney?
- Dos fãs da Britney.
- Eu sou fã da Britney.
- Por quê, mano? A música é uma merda.
- Sei lá mano. Eu curto.
- Você curte música merda então? Já sei, cê deve ser fã do Los Hermanos.
- (Risos). O que tem a ver?
- Tudo merda.
- Ó, vossa excelência proclamadora das merdas musicais contemporâneas.
- Você fala bonito.
- Mas tenho mau gosto musical.
- Ninguém é perfeito.
- Meu defeito é ser fã da Britney?
- Ah… você tem as sobrancelhas meio tortas também.
- Oi??? Que tipo de homem repara nisso?
- Tem, não tem?
- Não o suficiente pra ser um defeito apontável, assim, num bar por um estranho.
- Tá bom, desculpa.
- Nem sei seu nome e você já pediu desculpas duas vezes.
- É mesmo. Que absurdo. E não sou nem eu que gosto de Britney Spears.
- Ahhhhh então eu tenho que me desculpar por gostar de Britney Spears?
- Só se você quiser.
- É… não quero.
- Deveria, a qualidade da música é uma merda.
- E por que apreciar uma pessoa só pela qualidade da música?
- Ah, e eu que sou o cult.
- Oi???
- Lá vêm as reflexões filosóficas. E eu que sou o cult!
- Claro que é! Eu que tô falando que gosto da música trash.
- Ah, então você admite que é trash.
- Ai, que saco! É trash e eu gosto.
- Nossa, como você é autêntica.
- Oi???
- Você é autêntica.
- E essa ironia desnecessária? Você é um intrometido que
- Hipster.
- Eu??? Você que se recusa a gostar de qualquer coisa que não seja Tulipa Ruiz ou Godard.
- Tulipa Ruiz? Não, brigada. Fico em casa ouvindo meu gato miar.
- (Risos). Pois eu fico em casa ouvindo Britney.
- Você ouve Britney em casa?
- Não, mas agora vou começar.
- Ai, hipster e do contra. Grande, manda mais uma aqui também, por favor.
- Caipirinha com cachaça é hipster.
- É nada, é clássica.
- Ai, então tá. Tchaikovsky e Godard.
- (Risos). Melhor que Britney Spears.
- Depende.
- Nunca depende!
- Ai, que prepotente você. Que que tem de tão errado com Britney Spears?
- A música é muito ruim, mano.
- E daí que é ruim, mano? Aposto que tem muito mais gente dançando Britney na balada do que Édith Piaf.
- Ah, vai me dizer que por isso Britney é melhor que Édith Piaf.
- Não.
- Ahn…
- Mas Piaf não é melhor que Britney.
- Ave! Alguém exorcisa a menina aqui.
- (Risos). Petulante. Tá falando pra me encher o saco.
- Não é possível. Eu? Você que tá falando pra me provocar!
- Ah… você que veio puxar assunto. Tava aqui no meu canto.
- No seu canto cantando hit me baby one more time.
- Ó lá. Sabe até a música.
- (Risos). Todo mundo sabe.
- Viu?
- Viu o que, criatura?
- Criatura é bom, hein. Viu, todo mundo sabe a música dela. Ruim não pode ser.
- Todo mundo sabe porque é ruim!
- E daí? Precisa ser boa? Para de ser close-minded.
- Ahhhhh "para de ser close-minded"! Como você é hipster.
- (Risos). Antes hipster do que pseudo-cult.
- Pf…
- Aiai…
- Agora é sério. Você jura que gosta de Britney Spears?
- Não, sério. O que tem se eu gostar? Ela é foda!
- Ela é foda? É uma vagabunda drogada, isso sim. Tem não sei quantos filhos e fica querendo se mostrar na TV.
- Uau, hein.
- Que???
- Sei lá, acho tosco quem pensa assim.
- Então vai, fala. Como você pensa?
- Eu não, parece que vai ser um sacrifício me ouvir.
- Por Deus.
- É, deve ser por ele mesmo.
- Ahn?
- Amém.
- Por que por
- Vocês e os seus valores.
- Que???
- (Risos). Tô meio alta já.
- Desembucha, criatura.
- Tá, mas só porque você pediu com jeitinho.
- (Risos). Desculpa.
- Eu só acho que ela nunca fez nada pra ser odiada.
- Exatamente, nunca fez nada de
- Ainda bem que eu que ia falar.
- (Risos). Desculpa.
- Eu só acho que ela tinha o estilo dela. Meio diferentosa, oferecida, queria dar pra vários caras e mostrar na TV a barriga chapada.
- É.
- E que que tem?
- E se fazia de santinha.
- Ah, marketing pessoal, meu bem. Você mesmo tá fazendo, ó. Barba mal feita, oclinhos de vô, "abomino Britney Spears"…
- Ahhh, tá bo
- Além do mais, no fundo no fundo ela não se fazia de santinha nada. Prenunciou tudo nas músicas dela que ia surtar.
- Ahhh, coitadinha.
- Pois é, coitada mesmo. Queria viver a vida dela do jeito dela e ficou o mundo inteiro enchendo o saco porque ela era maluca. Ficou maluca mesmo.
- Ah, mas ela ficou maluca porque o mundo encheu o saco ou o mundo encheu o saco porque ela era maluca?
- E o que tem ser malu
- Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?
- O homem. Depois vieram esses tabus ridículos que condenam todo mundo que quer ser um pouco mais out of the box.
- "Out of the box."
- Quê?
- Hi-ps-ter.
- Puta que pariu, você enche mesmo o saco.
- Eita. Sem educação.
- Hipster é você, que se acha um cultzinho por dizer que Britney é de má qualidade bla bla bla whiskas sachê, mas na verdade pensa pequeno.
- Penso pequeno. Tá bom.
- Aiai…
- Desculpa se não sou "open-minded" e se já é muito "mainstream" odiar a Britney.
- Não é questão de
- Ó. Esse programa aí é da hora.
- Que que é isso, Pânico na TV?
- É.
- Você reclama que tocam Britney Spears e curte ficar vendo mulher semi-nua e piada ruim na TV que nem com som está?
- Afe, que tem a ver?
- Nada não, deixa quieto.
- Essa mina é um espetáculo.
- Quem, Sabrina Sato?
- É. Barriguinha chapada...

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Dá um tempo

Surda-muda e voltada para os meus discursos interiores, não me restava senão o tempo. Partindo da conclusão estabelecida por Albert e sua teoria onipresente de que o tempo é relativo, sucumbi à intimidade que jamais desejara criar com ele - com o tempo. Nu e cru. Ou um tanto cozido pelos pensamentos, pela reflexão e pela surdez, assim como o peixe no limão. Parece cru, mas não é.

É cozido.

E é familiar. Metamorfoseado no que instantaneamente e depois se converte em memória, o tempo é tão disforme quanto concreto, e se apresenta da forma como queremos empreender nossos esforços ou recolher-nos à discrição. O tempo, portanto, não é cru. Ele é assado no trabalho, é grelhado no exercício, é frito na diversão e é cozido no vapor do sexo. O tempo nu e cru é a ausência de memória, e daí a impossibilidade inerente ao tempo de ser cru. Tudo é intoxicado de memórias - elas são o tempero do peixe.

O tempo é excruciante e inacabável a quem não o consome, apenas deixa que ele passe. As memórias não o camuflam e muito menos aceleram. A quem se atenta a cada pedaço dele, ele é tortura pura, é cozido, frito e duro de tão bem-passado. É uma sola de sapato, mas daquele que já andou pra muito longe e viu memória se esvair, saudade ascender e tempo passar.

É doído, é saudosista e é masoquista. Podia-se muito bem abrir mão da memória, passar o tempo cru e sem memória, ou até mesmo beber pra esquecer. Mas sem memória não tem tempo, e sem tempo não tem sofrimento. E que graça tem o tempo quando ele passa sem que tenha sofrimento? É leve e não se sente, é insustentável. Ninguém merece.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Não quero me posicionar. Será que tudo bem?

Estou com medo.

No exercício e no estudo da profissão jornalista, aprendemos a incorporar a prática de se tirar para fora (assim, no pleonasmo mesmo) de uma situação na tentativa de analisá-la. O objetivo é angariar uma percepção um tanto mais lúcida - ou imparcial para os utópicos - sobre o que vem acontecendo.
Bem, isso costuma dar certo. Eu, pelo menos, me sinto um tanto privilegiada por fazer parte de uma camada sócio-intelectual com capacidade e senso-crítico para conseguir formar opinião própria sempre que desejado ou necessário. Tenho certeza de que você, que me lê, também.

De repente vejo um borrão à frente. Está difícil entender o que é verdade, o que é sensacionalismo, o que é opinião adulterada por visões tendenciosas ou partidárias. Quanto mais tento discernir e categorizar cada fatia de informação que recebo e absorvo, percebo que todas elas - sim, até as "fascistas", como está rolando num texto bem divulgado ultimamente por aí - são legítimas. Ao mesmo tempo, todas se empenham em vestir uma realidade (que de fato não existe) com roupas e acessórios fabricados a partir de bagagem cultural, ideal político, criação familiar e - por que não? - posts alheios de facebook.

Dia desses comentei que as redes sociais vêm dando aula de comunicação na mídia tradicional, talvez por não estarem vinculadas às relações de poder que permeiam o desempenho dos veículos jornalísticos, talvez por funcionarem com base numa dinâmica parecida com o que inferimos de alguma disciplina da faculdade por "jornalismo colaborativo". Ao menos é mais fácil perceber esta semelhança do meu ponto de vista, que tem a cada scroll na timeline um bombardeio sem fim de percepções sobre o que vem acontecendo sobre os últimos fatos sociais - ainda na esteira do aprendizado acadêmico - que tomaram lugar na nossa sociedade.

Ah sim… a tal da sociedade. Alguém muito esperto dirá que a mesma não é nada além do reflexo de seus próprios cidadãos. Eu - não mais esperta que essa pessoa - direi que me lembro de ter lido uma notícia em 2010 dizendo que a audiência de algum paredão do Big Brother havia superado a de um debate presidencial veiculado por qualquer outra emissora que não a Globo, é claro. À parte discussões sobre as estratégias maquiavélicas plin-plins, um povo que hoje sai às ruas clamando por melhorias aqui e acolá deveria ter se atentado para o governante que ia estar à frente dessas questões enquanto ainda era tempo. Deveria. Mas não foi. E tudo bem, do meu ponto de vista isso é completamente perdoável. Eu não sou politizada desde a posição fetal - e até hoje, nos meus humildes e bem-vividos 21 anos de idade, não acho que 'mereça' a etiqueta. Então, na mais cliché das perguntas, pergunto: Quem sou eu para julgar o telespectador do BBB que sai às ruas no maior clamor desde os controversos 60? Mas num raciocínio que me parece mais justo, re-elaboro: Quem é você, que decidiu politizar-se ontem, para julgar quem decidiu politizar-se hoje?

O excesso de opinião e a absoluta necessidade de expressá-la vindo de todos os lados - direita, esquerda, cima e baixo, com destaque para a metáfora - me desespera. E isso não é de agora, esse tiro cruzado. É a mesma história de quando já neste ano o Chávez morreu, de quando a PM quis ocupar em 2011 o campus da USP e de quando Quem Quer Ser um Milionário ganhou o Oscar de 2009. Todas elas re-escritas. E vale compartilhar, tenho uma noção sobre os fatos de hoje infinitamente diferente do que tinha então (me chame de Jabor). Estamos saturados de informação, estamos fartos, cansados. Basta.

Mentira, é claro. Queremos é mais. Quanto mais, melhor, inclusive. "Mais embasamento terei para formular um raciocínio."

A reflexão acerca do que vem acontecendo é absolutamente necessária do meu ponto de vista, pois transcende idiossincrasias, partidarismos, concordâncias e discordâncias. Vai além. Chega ali, no imo do nosso papel como indivíduo nessa tal de sociedade. Acho que falta a alguns perceber que é importante exercitar essa reflexão, construir um senso crítico e entender aos poucos no que quer e não quer acreditar. Falta compreender que a manipulação e formação de opinião como poderes que a grande e sacra mídia detém são fatores a serem refletidos também (não apenas demonizados). E falta compreender que compartilhamentos e likes desembestados são nada além do reflexo zuckerbergiano da carência pela aprovação de opiniões quase sempre recicladas.

Acho que tecer qualquer tipo de conclusão agora seria o mesmo que riscar e anular cada palavra que redigi até aqui e simplesmente desperdiçar um espaço virtual livre de taxações (o que me parece raríssimo nas últimas semanas). Afinal de contas, não quero me posicionar. Ainda não sei o que penso a respeito de tudo isso, que é assustadoramente novo e diferente ao meu jovem par de olhos. Será que tudo bem?