terça-feira, 29 de novembro de 2011

Ciclo

No baque de um tiro
Ardeu
E no ardor da minha dor
Vibrou
Vibração do teu eco, só tão seu
Remanesceu
essência da tua voz e alma
Ventou
Quando do vento fez-se a calma
Calmou

E aí pronto
O meu gatilho emocional você
Puxou

E no baque de um tiro
Ardeu
...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A veemência secular à ignorância

No ínterim do caso USP, vi na internet centenas de compartilhamentos de textos opinativos, charges afiadas e imagens de conteúdo sarcástico. A maioria deles preza pelo "questionamento de verdades absolutas" e roga para que o povo não acredite no que é divulgado pela mídia, mas tente entender a fundo o que se passa como alguém que está envolvido na situação. A ironia está no fato de os autores desses textos, das charges e das imagens tão disseminadas ultimamente serem a própria grande mídia.

Em nenhum momento vi um texto – ou que fossem três linhas – escrito por alguém “normal” – ou, para explicar melhor, alguém que não faça parte da turma dos formadores de opinião.

Nada contra o José Nêumanne Pinto ou o Juca Kfouri, mas de que adianta criticar a tal da “mídia”, ou melhor, o conceito dela, se no final sustentamos a própria com “nossas” opiniões? De que adianta martirizar esse monstro abstrato, se, no fim, o consumo que temos dela é o que acaba nos consumindo?

Gosto de pensar que o termo “massa” não existe por acaso, mas quer dizer algo passível de ser moldado por mãos “superiores” ou, de certo ponto de vista, sagradas. E como duvidar do poder sacro da mídia, sabendo que, nem mesmo quando queremos criticá-la, conseguimos nos livrar dela? Hoje, o que vejo é a sua utilização como forma de expressar opinião, e o caso USP é apenas um exemplo.

No fim, não sei de fato se o que ocorre é apenas a preguiça de pensar ou, de certa forma, uma veemência à ignorância, uma vez que é muito mais fácil apertar um botão e dizer “É isto o que penso”. Expor o que te faz pensar isso, por que te faz pensar isso e como te faz pensar isso não teria sentido, já que “isso” já foi lapidado ali por alguém.

Vale deixar claro que não foi minha intenção em nenhum momento expressar opiniões acerca do caso USP especificamente. E nem se quisesse, conseguiria maniqueizar uma questão que vai além de termos politicos, mas atinge âmbitos econômicos, históricos e sociológicos. A quem interessar possa, se for pra opinar, que seja numa conversa que transcenda o agora tão corriqueiro “Você é contra ou a favor da PM no campus?”

Haja preguiça de pensar.

Amor sinestésico

Tudo se mistura em sensações. Sem saber o que é cheiro, o que é gosto, sem perceber o que é imagem e o que é ilusão,
me confundo na percepção dos seus atos.
Não lembro o que é memória, não vejo nada do real. Mas entendo meus sentidos como uma coisa só, num tempo só e num momento sem tempo.

Enquanto isso,
Sinto o gosto do seu toque sem nem mesmo aguçar meu olfato
Vejo seu cheiro passando, voraz num ruído rítmico
Sinto o olhar da sua voz acariciando meu palato
Percebo o toque do seu gosto se abrindo como uma figura nítida
E nesse ritmo dos sentidos, que se encontram numa dança,
Ouço sua imagem no tato da minha lembrança

Sem saber o que é cheiro e o que é gosto, sem diferenciar um toque de um vento, sem entender o real ou o ilusório, sem perceber o meu tempo, o seu tempo e o não tempo.
Sabendo só que não sei você. Sei (só) sua saudade.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Maldita

Eram quatro horas de uma tarde de janeiro e fazia 6oC na Rua Augusta, em Lisboa. Lá fora, o sol vigoroso fracassava na tentativa de aquecer o que o inverno esfriava. O céu, no entanto, era um azul só e, nas calçadas, clientes acomodados em mesinhas de madeira para um chá da tarde deliciavam-se com o fado de Amália que tocava na loja de discos. O cheiro, uma mistura de uma leva de pastéis de Belém acabados de sair do forno, com a brisa do Tejo que fluía lá depois da Praça do Comércio. Dentro de um restaurante, esperava meu bacalhau cozido com batatas e tomava uma água com gás. Duas senhoras em sua melhor idade sentadas ao meu lado conversavam e tomavam um café preto.

- Será que ele não pod' fechar esta cortina? – ouvi uma delas reclamar.
- O que acontece? É ela a vir? – perguntou a amiga.
- Sim. Tardou, mas não falhou.
- Tem certeza d' que não está enganada?
- Tenho sim, está a me seguir há semanas, esta maldita.
- Ora pois, livre-se dela duma vez. Conheço a pessoa e a solução perfeitas pra t' ajudar.
- É sério? Ajud'-me então. Quero dar um jeito nela, mas não sei como.
- Bem, a primeira coisa a se fazer é...
- Ora, fale baixo minha cara, não queremos ser indiscretas.
- Ah sim, estás certa.
Meu bacalhau acabara de chegar à mesa.
- Conte-me quando estivermos sozinhas. Melhor.
- Sim. Melhor.
- Com licença, não vais ficar chateada comigo, mas se incomoda se eu p’rguntar quanto vale est’ prato? – virou-se para mim docemente.
Eu na verdade nem tinha olhado o preço no cardápio, então não sabia.
- Imagine. Não tenho certeza, mas acho que seis euros.
Ela acenou com a cabeça e voltou à cúmplice:
- Não sei quanto ao daqui, cara, mas o bacalhau à Braz do Correeiros é bastant’ bom.
- Hum...
- Mas mais caro.
- Hum...
- Outra coisa que ‘stá a me perseguir e a me deixar louca é esta fome que não se acaba.
A colega ria discretamente com a mudança casual de assunto.
- Já tomei meu café d’ tarde, comi três daqueles pasteizinhos que a dona Piedade faz, iguaizinhos aos da Fabriquinha, e quero almoçar mais uma outra vez!
- Almoces, ora pois!
- ‘Stou a tomar um remédio para o cansaço. Só pode ser. Só pode ser ele que ‘stá a me dar sempre “ap’tite”.
- Sim, sim. E bacalhoada não fará lá m’to bem a essas horas.
- Um doce!
- Como?
- Joaquim, traga-me o creme da casa!

Acredito que falavam sobre menopausa.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ici

Flui cinza, nunca índigo
O rio
Venta em alvidão, mas não vejo uniformidade
No céu
A noite aberta em outros, lá é
Fechada em mim
E como a gota d’água
A lua enche em clarão
Não mais em metáfora

Dentro

Caio outra vez sob o peso do medo

Sem que minhas pernas tremam
Sucumbo ao tremor tempestuoso
Que vigora dentro de minha mente
De meus pensamentos
De minhas especulações

O maior dos riscos está por vir e
Sua idéia faz-se tão suficientemente presente
De tal forma que não me atrai mais um no momento

Perdão
Por ser medrosa

Vanguarda parnasiana

Gostaria de saber ser poética
Saber rimar como manda a estética
Mas consideremos uma situação hipotética
Em que eu não ligue tanto pra fonética

Seria tanta heresia
Criar em ‘obra’ uma assimetria
E ao feio fazer apologia
E no lindo transpor anomalia?

Minto,
Jamais seria tão cética
A ponto de tornar-me herética
E ignorar toda a dialética
Dessa tal poesia

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Primavera escolar

Desabafo:

Era uma manhã de terça-feira. Os raios solares trespassavam as frestas entre as folhagens das árvores de pau-ferro. A pequena, porém rara variedade na flora cheirava a nostalgia, e a alta freqüência do canto dos pássaros ao longe brigava com os murmúrios vindos de dentro dos prédios.

Além do verde, formas esfumaçadas constituíam-se em nuvens passantes, e o olor da brisa contrastava com o tabaco tragado e cuspido nos arredores. Em volta, tijolos envelhecidos das construções em meio ao bosque ralo alternavam-se com janelas de vidro e vigas enferrujadas. Da mesma forma, no chão, restos de cigarro intercalavam-se com o manifesto silencioso do musgo que nascia debaixo das pedras cimentadas.

O sabor era de tempos passados, e havia no ar uma sensação de tranqüilidade, não obstante pairasse no ar o desespero berrante inerente aos alunos que caminhavam por lá.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Então

Que a fumaça que um dia respirei
Fortaleça-se em pedra dura
E o cimento que antes pisei
Então se intensifique, mas crie rachaduras

Que a nuvem que tanto contemplava
Tome formas, esbanje sorrisos
E a chuva que silenciava
Dê espaço ao vento, deixe entrar suspiros

Que as árvores que choram folhas
Respirem o ar que desdenhei
Mas que o outono vire primavera
E que o que era memória se apresente ao meu olho
E que o que agora morre volte a nascer
Mas que deixe de ser o que era

Porque quero que o antes retorne
E se torne
O depois pelo qual aguardei
E que quem me tem agora
Ouça quando me vir ir embora
O Adeus por que tanto esperei

E que o choro que agora me afaga
Perca lugar para desconhecidos vícios
Porque o choro é então, e é então que ele se acaba
E é ofuscado por riso infinito

Por fim, desejo que a nostalgia de um inverno
Dê lugar à saudade do verão
E que o agora dê lugar ao então
E que esse então – meu inverno – seja eterno

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Paris, arte e o tempo: fuga infinita

Foi bom ver Woody Allen apelar para a sua necessidade de fuga da realidade e se utilizar de sua capacidade de extravasar e se expressar – expressionar, na verdade, de “expressionismo” – por meio do cinema, ou melhor, da arte. Já me explico.

Assim como algumas outras obras do autor, Meia Noite em Paris carrega uma quantidade considerável de metalingüística. Aqui a discussão é o diálogo traçado entre fantasia e realidade.

Pra variar, Allen não faz a mínima questão de disfarçar seu alter ego no protagonista do novo filme, e é aí que ele se entrega. A metalingüística reside justamente no fato de o personagem principal gostar de escrever – assim como o diretor gosta de dirigir. Pode ser que a questão da fuga da realidade não vigore tanto aí, mas sim naquela problemática de retornar ao passado.

A distância a que se encontra o passado, a abstração de que se faz, a surrealidade que o tange fizeram-no aparentemente melhor, ilusoriamente melhor. Na verdade, o passado tornou-se abstrato ao longo dos anos, e as memórias foram sendo sacralizadas, pois é como se crescessem na mente. Por isso o passado sempre é melhor, o futuro sempre é melhor, mas o próprio tempo – o presente – nunca é bom o suficiente.

A rachadura na realidade que Gil Penders tanto busca também poderia facilmente ser Paris – aliás, é. Não coincidentemente, a cidade escolhida como palco do longa carrega em sua essência a arte, e ainda mais do que isso – carrega o passado. Também não por acaso, uma das personalidades mais louvadas na história é Hemingway, que caracteriza a cidade-luz como um “moveable feast”, ou seja, um banquete, uma festa non-stop em todo lugar, a todo momento. Tradução: Paris é aquilo que serve pra fugir da realidade, mas é a fuga constante, é a fuga infinita.

Indo ainda mais além, o modo como as cenas são filmadas, a fotografia encharcada da arquitetura clássica, de romantismo, de arte, de passado, podem indicar Paris como uma espécie de musa – tanto para Gil quanto para Woody. Não é à toa.

Esse retrato tenta atentar para a ilusão tão comum de que as pessoas seriam mais felizes diante de uma realidade que não a delas. Exemplo: Gil e Inez não parecem ver que eles nunca deixarão de criar discórdias, mas parecem pensar que o casamento mudará tudo. Exemplo: Gil quer viver na Paris dos anos 20. Exemplo: Adrianna, que vive a bohemia dos anos 20, quer viver na Bélle Époque. Exemplo: os artistas da Belle Époque querem viver na Renascença.

O tempo, que seria a escapatória mais confortante, é, no entanto, a mais intangível, então a opção é apelar também para linhas de escape espaciais ou mesmo expressivas. A arte, então, está presente invariavelmente na história, pois a nostalgia que dá em nós quando vemos como era o mundo, como era a vida naquela época acontece justamente por causa dos nomes fundamentalmente artísticos que aparecem. Até mesmo no presente ela é um fator importante, pois percebemos que o mais entendido de música, pintura, de vinhos, de literatura, da arte, é alguém extremamente desagradável – enquanto os entendidos de outrora são louvados, incríveis, maravilhosos.

Nesse diálogo entre fantasia/realidade e arte, não obstante, o tempo é o principal mediador. Como eu disse antes, ele é, afinal, a principal escapatória para aquele que deseja viver outra realidade, mesmo que inconscientemente. Na história, ele se alia às outras formas de fuga – a escrita, o cinema (metalinguisticamente falando), a música, a arte em geral, e até mesmo a chuva. No final, conclui-se que sempre desejaremos afastar nossa realidade e nos aproximarmos de outra aparentemente mais profunda, mais significativa, não importa qual seja. Trata-se talvez de um questionamento, ou até arrisco dizer uma crítica à futilidade e ao vazio dessa edificação da arte, da cultura, do tempo.

À parte o fato de a crítica – se é que isso foi mesmo uma crítica – ser um pouco clichê, o modo de fazê-la foi extremamente imprevisível. Foi bom ver aquela abertura com imagens estáticas da cidade assim como em Manhattan. Foi bom ver o bom e velho ceticismo amoroso fatal de Allen disfarçado de comédia non sense, assim como em Annie Hall. Foi bom ver a forte alusão à Rosa Púrpura do Cairo, em que a arte – mais especificamente o cinema, nesse caso – representa a fuga mais eficiente para o protagonista, para o diretor e para seu alter ego – que também leva o nome de Gil. Foi bom ver Woody de volta.

Depois as pessoas ainda têm coragem de me perguntar por que eu gostei tanto desse filme.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Só o Mackenzie não é open bar de jogos

Aqui vai uma mensagem à AAA Comunicação Mackenzie, às atletas do time feminino do Handebol Tubarão e aos interessados. Deixo claro que este texto, particularmente, não se trata de um apelo, um pedido, uma crítica construtiva e muito menos uma tentativa de mudar uma situação atualmente disfuncional. Trata-se apenas de um desabafo.


Jogar faz parte. Aprender a perder, aprender a vencer é uma arte. O que não se ensina e muito menos se aprende é como perder a oportunidade de jogar. É só quando nos é tirado o direito de competir que entendemos o quão real faz-se o clichê “o importante é competir”. Muito mais real do que se imagina.

Claramente a vontade necessária para agüentar por livre e espontânea vontade meses e meses e meses de treinos incessantes e esgotantes vem de um ideal, de um objetivo, de uma vontade comum de um time inteiro. Essa meta, vigorosa invariavelmente em cada momento, em cada defesa, em cada arremesso, em cada passo, não deixa de ser a vitória.

No entanto, não vale de nada a vitória se ela nos é dada gratuitamente, e é por isso que competir é o mais importante, é a parte mais passional. A busca por essa vitória acontece desde as reuniões compenetradas nos vestiários, passando pelos treinos efusivos em quadra, até o momento em que o time se reúne para tomar no bar a cerveja descontraída. A reta final desse caminho é o que foi sacralizado e abstraído em todo esse tempo, é aquilo para que se lutou, é a partida. É o jogo.

Mais doloroso do que perdê-lo é vê-lo passar à frente de seus olhos sem que você esteja lá. É sentir cada batucada da torcida como um baque no coração por não estar jogando. É lamentar não estar sendo xingado pela torcida adversária. É perceber que não apenas a vitória poderia ter sido sua, mas a partida, o jogo.

Por fim, quero deixar aqui registrado em poucas – talvez insignificantes – palavras uma pequena parcela da dor que sentiu um time que passou por tudo isso, que buscou tudo isso e teve tudo isso tirado de suas mãos. Um time que nem com choro, gritos e apelos teve tudo isso de volta – e nem terá.

Meus sentimentos pelos meus amigos, melhor, minha família, que não pode mostrar em quadra o resultado de um trabalho inexplicavelmente cansativo e duradouro, que não pode erguer um troféu, e mais importante, não pode sentir a vibração de estar em quadra representando tudo o que foi mantido como fundamental para o nosso time.

Meus sentimentos também aos envolvidos e responsáveis por isso, que acredito não terem feito de propósito, mas por displicência – e atrevo-me a dizer incompetência. Vocês não tiraram uma medalha das mãos de algumas meninas, mas tiraram um sonho da mão de uma equipe apaixonada.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Palocci: um desaforo à Constituição Brasileira

O nome Antonio Palocci pode ser lembrado por muitos como o ministro da Fazenda do governo Lula, mas para outros remete a alguém que participou anteriormente de diversos casos de corrupção de amplitude nacional. Em 2005, um dos maiores escândalos políticos tomou forma com o nome de Mensalão, e Palocci era invariavelmente citado em toda e qualquer denúncia feita aos acusados de propina, caixa dois, fraude de licitação, quebra de sigilo e outras peripécias dos integrantes do mundo da política brasileira.

No dia 13 de maio de 2011, a Folha de S. Paulo divulga em primeira mão uma notícia que envolve mais uma vez o atual ministro da Casa Civil. A reportagem revelava que a empresa de consultoria do ministro faturou R$20 milhões em 2010, quando ele era deputado federal e atuava como coordenador da campanha da candidata à presidência da República, Dilma Rousseff.

No dia 15 de maio, foi constatado mais uma vez pelo mesmo veículo que o patrimônio do ex-deputado havia se multiplicado milagrosamente por 20 nos últimos quatro anos. Muito peculiarmente, semanas antes de Palocci assumir o comando da Casa Civil do governo Dilma, o ministro comprou uma casa no valor de R$6,6 milhões e, um ano antes, adquiriu um escritório em São Paulo por mais de R$800 mil.

Em 2006, quando Palocci era candidato a deputado federal, ele declarou à Justiça um patrimônio em torno de R$375 mil, já levando em conta taxas de inflação. Vale ressaltar que eram de seus pertences uma casa, um terreno e três carros. No mínimo.
A empresa envolvida nas informações “vazadas” no mais novo caso em que está presente o nome do ministro chama-se Projeto. Ela foi aberta coincidentemente duas semanas depois que o prazo para a entrega da declaração de bens à Justiça Eleitoral terminasse em 2006. Assim, por sorte, não foi preciso declará-la na relação.

É possível seguir em frente pontuando escândalos em que o político já esteve envolvido, mas quero atentar agora para a nova ‘reclamação’ por parte da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara Municipal de São Paulo.
Uma nota divulgada pela assessoria do ministro sustenta que é perfeitamente plausível que uma empresa de consultoria tenha seu faturamento multiplicado, já que o volume de contratos cresce naturalmente ano a ano e as ‘negociações’ envolvidas geram lucros cada vez maiores.

Aparentemente, no entanto, o pobre Palocci sofreu irregularidades do ponto de vista ético e jurídico, uma vez que, de uma forma ou de outra, algum sigilo foi quebrado para que os dados recentemente divulgados pela Folha viessem à tona.
O vereador José Américo, do PT, protocolou então um requerimento na Câmara Municipal para que a Prefeitura de São Paulo informe quem são os funcionários da administração municipal que possuem acesso ao sistema do Imposto Sobre Serviço. O que acontece é que houve uma quebra de sigilo e dados do ISS de Palocci foram divulgados sem que o pudessem – ou devessem – ser.

Agora quem está sob as lentes da imprensa é a Secretaria de Finanças, que deve prestar contas pelo terrível ato de desrespeito ao nosso ministro da Casa Civil. Afinal, Palocci faz parte da administração pública apenas em âmbitos inexpressivos, e sua arrecadação não faz diferença aos olhos de um povo que paga impostos diminutos. Dessa forma, conforme pensam seus colegas na bancada do PT, é, no mínimo, injusto que sejam divulgadas abertamente questões do Estado. E é por isso que eles vão reclamar lá no Supremo Tribunal Federal.

Como disse o próprio Américo, as exigências são poucas: 1) a informação de quais servidores têm acesso às senhas e à informação sigilosa da Secretaria de Finanças; 2) quais empresas tiveram seus sigilos acessados nos últimos meses através do CNPJ; 3) se o secretário Mauro Ricardo da Costa possui acesso irrestrito aos dados da pasta e, se ele tiver, quais empresas tiveram seu “sigilo” rompido por ele nos últimos seis meses.

Em tempos de escândalos de corrupção política de âmbito nacional que dão ao nosso Brasil o desgosto de ser considerado internacionalmente um dos países mais corruptos do mundo, temáticas como a de Palocci permanecem em stand-by até que um assunto novo apareça e ofusque questões anteriores.

Pode parecer batido hoje dizer que a justiça brasileira não faz jus à denominação que tem, mas essa ideia não surgiu do nada. É inconcebível que, num país onde teoricamente vigora a livre democracia, questões de interesse público sejam mantidas em segredo em pró de um dito “direito inalienável”. Só é preciso lembrar que esse direito nunca pertenceu a integrantes da administração pública; muito pelo contrário, é de seu dever prestar contas à população que neles votou, e do direito dessa população saber por onde passa e de onde vem cada centavo de seu patrimônio.

Onde está aquilo que obriga a difusão de todos e quaisquer atos administrativos em âmbitos municipais, estaduais e federais? Onde está o Princípio da Publicidade, lapidado em nossa constituição?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um pode ser mais que cem

Mutantes, a banda mais superestimada da história
http://blogs.estadao.com.br/combate_rock/mutantes-a-banda-mais-superestimada-da-historia/#comment-3059

Uma réplica ao artigo de Marcelo Moreira:

Opinião é difícil de manter mesmo, principalmente quando vai contra a da maioria. O que é mais difícil ainda é tê-la sem conseguir prover bons argumentos que a justifiquem – e querer divulgá-la num veículo com a repercussão que o Estadão tem.
E a polêmica é boa, há alguns comentários bons e pertinentes, mas a “desqualificação”, Marcelo, começou em sua coluna, quando você mesmo disse que os músicos da banda eram medíocres, desinteressantes e superestimados.
A máxima "Um é pouco, mas é mais que zero" nem começa a justificar a fama e o reconhecimento que os Mutantes têm.

Como você escreveu, o momento em que os Mutantes surgiram foi extremamente delicado histórica e culturalmente falando, e a música deles abriu um número incontável de portas em âmbitos que até hoje ninguém imagina (não só os Mutantes, mas também o Caetano, o Gil, o Tom Zé e os outros que fizeram parte da Tropicália).

Vir falar que os festivais eram ‘concursinhos de cartas marcadas’ é algo de alguém que nunca parou pra pensar na importância que teve Caetano Veloso cantando “É proibido proibir” repetidas vezes no TUCA em plena ditadura militar.

E “INTRAGÁVEL Tropicália”? Isso é ignorar – pior, desrespeitar – uma das melhores coisas que a nossa cultura tem, junto com a bossa nova, a própria MPB (termo que surgiu nessa época dos festivais) e etc. Você, como um reconhecedor e avaliador “dos bons”, como você mesmo disse, da cultura e da intelectualidade, não podia levar isso em conta?

Falar que não havia interesse pela volta da banda e que a Zélia Duncan se juntar a eles no lugar da Rita foi um mico foi além – de fato, Marcelo, o interesse era tão pouco e o mico era tão grande que os caras lotaram o show que fizeram em Londres, lotaram o show no Museu do Ipiranga e todas as outras poucas apresentações que fizeram (como você mesmo conta).
“No entanto, nunca passaram de uma banda de rock medíocre, com músicos e compositores no máximo medianos.
Nunca foram referência nem mesmo para a geração do rock brasileiro dos ano 80.”

Pelo amor de deus, divulgar seu gosto pessoal como sendo verdade pura e absoluta é coisa séria, mesmo em se tratando de questão cultural e originalmente sem grande importância política – ainda mais num veículo como o Estadão... Depois dessa frase, recomendo seriamente um tempo internado numa escola de música, numa biblioteca com algumas referências à história da cultura brasileira ou mesmo num manicômio.

E falando em manicômio, Arnaldo Baptista é louco, de fato. Mas se o louco é aquele que não é o normal (como ele próprio diz na “Balada do Louco”), é porque ele – assim como o resto dos Mutantes – está/estava muito à frente da sociedade, como sustentam alguns críticos e “avaliadores da cultura e da intelectualidade” – os bons, ao menos.

E Rita Lee defenestrada? Parabéns, depois de décadas sem ninguém no país saber exatamente o que aconteceu, você, o melhor dos avaliadores da intelectualidade de todos os tempos adivinhou e decidiu que ela foi “defenestrada” porque “era boa demais para o resto da banda”. Faz-me rir...

Você assistiu ao filme Loki, de Paulo Fontenelle, Marcelo? Aquela carga cultural toda da banda, essa bagagem que ela deixou para músicos aqui no Brasil e no resto do mundo ao longo dos anos e até hoje foi meramente por acaso? Foi sorte e não teve nada a ver com talento, criatividade, vanguarda?

“E gosto é gosto. Duvidoso por duvidoso, o seu é muito mais”.

Com base em que isso, Sr. Moreira? Por que o dos outros é mais duvidoso? Porque o sr. teve espaço no site do Estadão pra disseminar sua opinião pessoal mascarada de verdade?

E quanta generalização! Qual a relação de Mutantes com Cláudia Leitte, Nx Zero e mesmo o Marcelo Camelo? Típica falta de argumento. Chega uma hora em que é preciso apelar.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Cópia autêntica

Não foi o melhor texto que eu fiz na vida, mas é o suficiente pra manter isso aqui relativamente atualizado.
Esse texto foi feito para a faculdade e o intuito era ter um caráter informativo. Não podia usar adjetivação e nem manter parcialidade. Esse foi o máximo que eu consegui fazer tentando seguir esses padrões sem ser sem graça:

Cópia autêntica

Um dos mais consagrados diretores iranianos lança seu primeiro longa filmado fora de seu país natal. Abbas Kiarostami, diretor de Gosto de Cereja, vencedor da Palma de Ouro em 1997, e de O Vento nos Levará, que levou prêmio especial no júri do Festival de Veneza de 1999, escolheu a Itália como palco de seu novo filme, Cópia Fiel (Copie Conforme).

Na nova obra de Kiarostami, cujo cenário são as ruelas de um vilarejo próximo à Toscana chamado Lucignano, James Miller, interpretado por William Shimell, é um escritor e teórico de arte. O que ele aborda em seu livro é justamente o tema da história contada: a relação entre cópia e original.

A protagonista é Elle (Juliette Binoche), uma francesa cujo filho sagaz a tira do sério algumas vezes durante o dia retratado. Ela vai à cerimônia de lançamento do livro de Miller na Toscana e, após deixar com ele seu número de telefone, Elle consegue um encontro para discutir conceitos de verdadeiro, falso, de autenticidade, originalidade e identidade. Sugere a ida a uma cidadela próxima para mostrar ao autor uma “cópia autêntica” da Monalisa e, em meio aos diálogos, ambos passam a encenar – ou reviver – um matrimônio.

James atesta sua opinião à importância da cópia enquanto condutora do espectador ao autêntico, ao original – conceito que ele próprio questiona por se perguntar se nem tudo já foi inventado e se não há agora apenas possibilidades de recriações – e estende essa reflexão ao campo das relações humanas.

Assim, a relação entre o casal de amigos, conhecidos, desconhecidos ou divorciados e a exploração da feminilidade e da temporalidade pelo diretor deixam no ar uma dúvida quanto ao fato de os dois terem sido, verdadeiramente, algum dia, um casal, ou de estarem apenas fingindo um para o outro quase o filme inteiro. Quiçá uma possível encenação dos dois pudesse representar a perfeita cópia de tantos matrimônios, ou então sua história única talvez aludisse à originalidade e à identidade de cada um.

De qualquer forma, a dúvida permanece no ar. Mas não é nem esse o ponto. Considerando o tema essencial do filme, que é a importância que tem o olhar sobre uma obra de arte para atribuir-lhe um significado e um entendimento, não é possível encontrar uma resposta certa, verdadeira. Ou uma resposta autêntica.

domingo, 10 de abril de 2011

Último dia em Paris


"Et puis, quelque chose est arrivé, quelque chose difficile de décrire. Assise là et être seule dans un pays étrangé, loin de mon travail et de tous les gens que je connais, un sentiment est venu a moi. C'était comme si je me souvenais de quelquechose que je n'ai jamais connu ou que j'avais attendu toujours. Mais je n'ai savais pas quoi. Peut-être c'était quelque chose que j'avais oublié ou quelque chose qui me manquais toute ma vie. Seulement je peux vous dire que j'ai senti au même temps la joie et la tristesse. Mais pas trop tristesse. Parce que je me sentais vivante. Oui, vivante. Ça c'était le moment où j'ai commencé à aimer Paris et le moment où j'ai senti que Paris m'aimais aussi."

terça-feira, 15 de março de 2011

Coincidência

Saía do trem em King’s Cross e lutava com suas duas malas de viagem para subir as escadas até a plataforma do metrô. Oito horas de viagem amassaram suas roupas, despentearam seus cabelos e apagaram a maquiagem que cobria as olheiras da viajante de jeans e tênis.

Como se sabe, o metrô de Londres é o único no mundo que não faz barulho, e o povo, assim como o trem local, é um tanto contido no que se refere às palavras. O ocasional robótico “MIND THE GAP” ou “THANK YOU FOR RIDING LONDON UNDERGROUND” eram quase os únicos ruídos que poluíam o ar naquele momento. Via todos normalmente aconchegados em suas discretas peculiaridades particulares, exceto por um homem. Peculiar, particular, mas não discreto.

Muito alto, o homem branco usava sapatos pretos, calças pretas, um pulôver preto, sobretudo preto, luvas pretas. O chapéu – preto – levava um logotipo prateado atrás e a gravata era vermelha com pequenas bolas brancas. O homem branco do chapéu preto e gravata vermelha, que aparentava 50 ou 60 anos, assobiava imponente, mas tranquilamente uma melodia com ares bucólicos.

Ela desceu em Oxford Circus e ele, logo atrás. Brigava ainda com a bagagem e sua poderosa aliada - a escada - para chegar enfim às portas da estação e, depois delas, à inconfundível cinzenta atmosfera londrina. Acendeu um cigarro enquanto recuperava energias para retomar sua batalha com as malas. A fumaça que soltava confundia-se com a respiração gelada que saía de sua ofegação. Seus dentes doíam ao inspirar o frio do ar.

Vindo de trás, ouviu num inglês reconhecidamente britânico: “É difícil viajar às vezes, não?”. Respondeu educadamente: “Às vezes... sim.”. E em meio a um aceno: “Te vejo por aí.”, despediu-se o homem do chapéu. Um sentimento de boas vindas, misturado à sensação de estranhice e à vontade de rir na cara do ocorrido, abriu um sorriso em seu rosto antes que ela tragasse mais uma vez o cigarro bolado de tabaco holandês.

Uma soneca, um banho e uma pizza mais tarde, saiu às ruas a viajante para desfrutar a esfumaçada noite da cidade cinza. O álcool rendeu-lhe algumas amizades e surtiu-lhe a disposição de vagar de pub em pub durante horas. Foi em um qualquer às margens do Tâmisa, após uma caminhada regada a gargalhadas e imprudências pelo St. James Park, que ela pediu a tradicional Guinness e sentou-se para admirar uma vez mais as corriqueiras estranhices individuais daquele povo. Em meio à muvuca, o dernière de um chapéu-coco preto, ornado com um símbolo metálico, acenava para ela.

Ria ao contar sobre o ser conhecido às recentes amizades embriagadas, mas embriagada ficou ela quando o homem do chapéu-coco veio dirigir-lhe a palavra. “Do que você está rindo?” foi a pergunta encharcada daquele sotaque inesquecível. “Nos conhecemos esta tarde.” foi a resposta que abriu o sorriso mais cinematográfico no rosto daquele ente tão peculiar. “É verdade. Você passou de uma hippie para uma lady.”.

A maquiagem cobria novamente as olheiras da mesma jovem, que agora tinha cabelos penteados e usava saia, blusa de babados e um sapato de boneca. Essa lady veio a descobrir duas horas de conversa depois que o homem do chapéu-coco era na realidade pintor, poeta e escultor, freqüentador assíduo da Westminster Abbey e falava seis idiomas com a fluência de uma perfeição ímpar.

“Cheguei em casa hoje à tarde e escrevi em meu diário ‘Conheci uma hippie no metrô. Disse-lhe que nos veríamos em breve. Foi poético.’”. O senhor de 50 ou 60 anos não esboçava nenhuma intenção com a jovem viajante, a não ser a de explorar a poesia daquela armadilha daquilo que chamam acaso.

“Que linda é a casualidade.”, recitou. “Desculpe-me, mas não acredito em casualidades.”, repliquei. Agora o sorriso cinematográfico que se abriria era em meus lábios: “Não, querida, você me entendeu errado. Casualidades de fato não existem; o que é lindo é a causalidade.”.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Nostalgia

Sente. 'Stá aí.
Seja, ouça sair. Saia e ouça soar.
Saia da cena, sai da sena!
Sente o samba, ouça soar.
Essa cidade, mesmo céu.
Sensação de segundo, sensação de sem tempo.
Sem tempo, sem ver. Sem tempo, sem céu. Sem ver.
Sensação de cegueira, cegado de lágrimas.
Eu sei. Sem senso sumir, mas sei.
Mas sente o que eu sinto, 'stou aí.
Saia da cena, sai da sena!
Ouça soar.

Inverno vira primavera.
Verão, outono.
Vai, voa, volta, vê. Vive.
Revê, faça haver.
Dessa vez,
outono foi verão e
primavera foi inverno.
Faça haver, voa.
Revê:
terno.

Sai pra ver, voa pra sair.
Voa pra sumir.
Vai ser, suma pra voar.
Suma pra vibrar.
Sente pra virar, vire pra saber.
Saia para haver.
Vai para viver,
vai para rever
a sua primavera.
Volte para ver
o outono eterno.
Ouve, ouça.
Seu inverno
será,
verá:
e terno