Que a fumaça que um dia respirei
Fortaleça-se em pedra dura
E o cimento que antes pisei
Então se intensifique, mas crie rachaduras
Que a nuvem que tanto contemplava
Tome formas, esbanje sorrisos
E a chuva que silenciava
Dê espaço ao vento, deixe entrar suspiros
Que as árvores que choram folhas
Respirem o ar que desdenhei
Mas que o outono vire primavera
E que o que era memória se apresente ao meu olho
E que o que agora morre volte a nascer
Mas que deixe de ser o que era
Porque quero que o antes retorne
E se torne
O depois pelo qual aguardei
E que quem me tem agora
Ouça quando me vir ir embora
O Adeus por que tanto esperei
E que o choro que agora me afaga
Perca lugar para desconhecidos vícios
Porque o choro é então, e é então que ele se acaba
E é ofuscado por riso infinito
Por fim, desejo que a nostalgia de um inverno
Dê lugar à saudade do verão
E que o agora dê lugar ao então
E que esse então – meu inverno – seja eterno
Parece que existe no cérebro uma zona perfeitamente específica que poderia chamar-se memória poética e que registra aquilo que nos encantou, aquilo que nos comoveu, aquilo que dá à nossa vida a sua beleza própria(...) (Milan Kundera- A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER)
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Paris, arte e o tempo: fuga infinita
Foi bom ver Woody Allen apelar para a sua necessidade de fuga da realidade e se utilizar de sua capacidade de extravasar e se expressar – expressionar, na verdade, de “expressionismo” – por meio do cinema, ou melhor, da arte. Já me explico.
Assim como algumas outras obras do autor, Meia Noite em Paris carrega uma quantidade considerável de metalingüística. Aqui a discussão é o diálogo traçado entre fantasia e realidade.
Pra variar, Allen não faz a mínima questão de disfarçar seu alter ego no protagonista do novo filme, e é aí que ele se entrega. A metalingüística reside justamente no fato de o personagem principal gostar de escrever – assim como o diretor gosta de dirigir. Pode ser que a questão da fuga da realidade não vigore tanto aí, mas sim naquela problemática de retornar ao passado.
A distância a que se encontra o passado, a abstração de que se faz, a surrealidade que o tange fizeram-no aparentemente melhor, ilusoriamente melhor. Na verdade, o passado tornou-se abstrato ao longo dos anos, e as memórias foram sendo sacralizadas, pois é como se crescessem na mente. Por isso o passado sempre é melhor, o futuro sempre é melhor, mas o próprio tempo – o presente – nunca é bom o suficiente.
A rachadura na realidade que Gil Penders tanto busca também poderia facilmente ser Paris – aliás, é. Não coincidentemente, a cidade escolhida como palco do longa carrega em sua essência a arte, e ainda mais do que isso – carrega o passado. Também não por acaso, uma das personalidades mais louvadas na história é Hemingway, que caracteriza a cidade-luz como um “moveable feast”, ou seja, um banquete, uma festa non-stop em todo lugar, a todo momento. Tradução: Paris é aquilo que serve pra fugir da realidade, mas é a fuga constante, é a fuga infinita.
Indo ainda mais além, o modo como as cenas são filmadas, a fotografia encharcada da arquitetura clássica, de romantismo, de arte, de passado, podem indicar Paris como uma espécie de musa – tanto para Gil quanto para Woody. Não é à toa.
Esse retrato tenta atentar para a ilusão tão comum de que as pessoas seriam mais felizes diante de uma realidade que não a delas. Exemplo: Gil e Inez não parecem ver que eles nunca deixarão de criar discórdias, mas parecem pensar que o casamento mudará tudo. Exemplo: Gil quer viver na Paris dos anos 20. Exemplo: Adrianna, que vive a bohemia dos anos 20, quer viver na Bélle Époque. Exemplo: os artistas da Belle Époque querem viver na Renascença.
O tempo, que seria a escapatória mais confortante, é, no entanto, a mais intangível, então a opção é apelar também para linhas de escape espaciais ou mesmo expressivas. A arte, então, está presente invariavelmente na história, pois a nostalgia que dá em nós quando vemos como era o mundo, como era a vida naquela época acontece justamente por causa dos nomes fundamentalmente artísticos que aparecem. Até mesmo no presente ela é um fator importante, pois percebemos que o mais entendido de música, pintura, de vinhos, de literatura, da arte, é alguém extremamente desagradável – enquanto os entendidos de outrora são louvados, incríveis, maravilhosos.
Nesse diálogo entre fantasia/realidade e arte, não obstante, o tempo é o principal mediador. Como eu disse antes, ele é, afinal, a principal escapatória para aquele que deseja viver outra realidade, mesmo que inconscientemente. Na história, ele se alia às outras formas de fuga – a escrita, o cinema (metalinguisticamente falando), a música, a arte em geral, e até mesmo a chuva. No final, conclui-se que sempre desejaremos afastar nossa realidade e nos aproximarmos de outra aparentemente mais profunda, mais significativa, não importa qual seja. Trata-se talvez de um questionamento, ou até arrisco dizer uma crítica à futilidade e ao vazio dessa edificação da arte, da cultura, do tempo.
À parte o fato de a crítica – se é que isso foi mesmo uma crítica – ser um pouco clichê, o modo de fazê-la foi extremamente imprevisível. Foi bom ver aquela abertura com imagens estáticas da cidade assim como em Manhattan. Foi bom ver o bom e velho ceticismo amoroso fatal de Allen disfarçado de comédia non sense, assim como em Annie Hall. Foi bom ver a forte alusão à Rosa Púrpura do Cairo, em que a arte – mais especificamente o cinema, nesse caso – representa a fuga mais eficiente para o protagonista, para o diretor e para seu alter ego – que também leva o nome de Gil. Foi bom ver Woody de volta.
Depois as pessoas ainda têm coragem de me perguntar por que eu gostei tanto desse filme.
Assim como algumas outras obras do autor, Meia Noite em Paris carrega uma quantidade considerável de metalingüística. Aqui a discussão é o diálogo traçado entre fantasia e realidade.
Pra variar, Allen não faz a mínima questão de disfarçar seu alter ego no protagonista do novo filme, e é aí que ele se entrega. A metalingüística reside justamente no fato de o personagem principal gostar de escrever – assim como o diretor gosta de dirigir. Pode ser que a questão da fuga da realidade não vigore tanto aí, mas sim naquela problemática de retornar ao passado.
A distância a que se encontra o passado, a abstração de que se faz, a surrealidade que o tange fizeram-no aparentemente melhor, ilusoriamente melhor. Na verdade, o passado tornou-se abstrato ao longo dos anos, e as memórias foram sendo sacralizadas, pois é como se crescessem na mente. Por isso o passado sempre é melhor, o futuro sempre é melhor, mas o próprio tempo – o presente – nunca é bom o suficiente.
A rachadura na realidade que Gil Penders tanto busca também poderia facilmente ser Paris – aliás, é. Não coincidentemente, a cidade escolhida como palco do longa carrega em sua essência a arte, e ainda mais do que isso – carrega o passado. Também não por acaso, uma das personalidades mais louvadas na história é Hemingway, que caracteriza a cidade-luz como um “moveable feast”, ou seja, um banquete, uma festa non-stop em todo lugar, a todo momento. Tradução: Paris é aquilo que serve pra fugir da realidade, mas é a fuga constante, é a fuga infinita.
Indo ainda mais além, o modo como as cenas são filmadas, a fotografia encharcada da arquitetura clássica, de romantismo, de arte, de passado, podem indicar Paris como uma espécie de musa – tanto para Gil quanto para Woody. Não é à toa.
Esse retrato tenta atentar para a ilusão tão comum de que as pessoas seriam mais felizes diante de uma realidade que não a delas. Exemplo: Gil e Inez não parecem ver que eles nunca deixarão de criar discórdias, mas parecem pensar que o casamento mudará tudo. Exemplo: Gil quer viver na Paris dos anos 20. Exemplo: Adrianna, que vive a bohemia dos anos 20, quer viver na Bélle Époque. Exemplo: os artistas da Belle Époque querem viver na Renascença.
O tempo, que seria a escapatória mais confortante, é, no entanto, a mais intangível, então a opção é apelar também para linhas de escape espaciais ou mesmo expressivas. A arte, então, está presente invariavelmente na história, pois a nostalgia que dá em nós quando vemos como era o mundo, como era a vida naquela época acontece justamente por causa dos nomes fundamentalmente artísticos que aparecem. Até mesmo no presente ela é um fator importante, pois percebemos que o mais entendido de música, pintura, de vinhos, de literatura, da arte, é alguém extremamente desagradável – enquanto os entendidos de outrora são louvados, incríveis, maravilhosos.
Nesse diálogo entre fantasia/realidade e arte, não obstante, o tempo é o principal mediador. Como eu disse antes, ele é, afinal, a principal escapatória para aquele que deseja viver outra realidade, mesmo que inconscientemente. Na história, ele se alia às outras formas de fuga – a escrita, o cinema (metalinguisticamente falando), a música, a arte em geral, e até mesmo a chuva. No final, conclui-se que sempre desejaremos afastar nossa realidade e nos aproximarmos de outra aparentemente mais profunda, mais significativa, não importa qual seja. Trata-se talvez de um questionamento, ou até arrisco dizer uma crítica à futilidade e ao vazio dessa edificação da arte, da cultura, do tempo.
À parte o fato de a crítica – se é que isso foi mesmo uma crítica – ser um pouco clichê, o modo de fazê-la foi extremamente imprevisível. Foi bom ver aquela abertura com imagens estáticas da cidade assim como em Manhattan. Foi bom ver o bom e velho ceticismo amoroso fatal de Allen disfarçado de comédia non sense, assim como em Annie Hall. Foi bom ver a forte alusão à Rosa Púrpura do Cairo, em que a arte – mais especificamente o cinema, nesse caso – representa a fuga mais eficiente para o protagonista, para o diretor e para seu alter ego – que também leva o nome de Gil. Foi bom ver Woody de volta.
Depois as pessoas ainda têm coragem de me perguntar por que eu gostei tanto desse filme.
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