quinta-feira, 18 de abril de 2013

Casablanca do avesso

Queria mesmo era ficar sentada naquela cadeira desconfortável, esperando o tempo passar e fingir que ainda dava tempo de desistir. Desceu do avião, afinal que outra opção tinha? Tudo branco. Se era a neve ou a vista daquilo tudo cegando seus olhos, não sabia. Era mais nada que tudo, na verdade: nada além de uma pista vazia de aeroporto. E ainda assim tanta coisa.

Choque térmico, como esperado. Tantas mudanças que uma simples troca de hemisfério exige sem que ela soubesse, então colocou seu cachecol, como que por respeito. A quem, também não sabia.

Se virou de um jeito ou de outro, deu alguns passos e olhares perdidos até cair no trem certo e conhecer o violinista certo que lhe daria a primeira boa impressão daquele lugar. Aliás, a primeira impressão de todas. Depois da neve cegante, não havia tempo para impressões - elas se apropriam demais e de forma muito intensa da mente.

Enfim, o violinista. Caricato grisalho fedendo a falta de banho, porém tão doce quanto suas notas vivaldianas. Sabia ler mapas, mas acabara não ajudando tanto quanto podia - ou se fazia mais inocente (na ausência de um adjetivo mais pejorativo) do que era. Sorriu e acenou com a cabeça apenas, interrompendo a melodia que suas cordas riscavam, sem abrir a boca pra soltar qualquer palavra que pudesse ajudar. Apenas sorriu.

Ela, mais uma vez, dera inúmeros olhares perdidos até conseguir se encontrar no espaço e no tempo e poder voltar a ter impressões.

Cruzes, que paisagem feia. Nada de campos idílicos, montanhas nevadas e rios refletindo o céu azul. Apenas casas semi-destruídas ou semi-construídas, mato sem poda, resquícios de vidas no chão e uma atmosfera simplesmente cinza. Já diria Caetano, "é que Narciso acha feio o que não é espelho" - pensou. Parou de pensar e começou a andar depois que desceu do metrô. Fazia frio.

A mochila pesava nas costas. Nariz e dedos das mãos, desprotegidos, se enrijeciam. Vou congelar, pensou mais uma vez. E mais uma vez, já não havia tempo para grandes impressões, já que o frio dessa vez era quem se apropriava de sua mente.

Quando atingiu o ponto de brincar consigo mesma, conformou-se num riso de canto com a morte por congelamento. Chegou então ao destino viva, claro, mas sem ainda se dar conta de que nevava - ou de que a luz branca mais uma vez cegava seus olhos e suas impressões.

Cinco degraus históricos, uma porta giratória e a recepção. Atrás do balcão, um moço com uma tatuagem, um sotaque e um sorriso disse poucas e simples palavras. Ela soltou sua bagagem ali mesmo e o fez rir quando perguntou, antes de qualquer coisa, onde era o cemitério.

O resto é história à la Bogart e Bergman, com a mais clichê das conclusões: "We'll always have Paris".

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A penumbra de um trânsito caótico e o preço do tomate

Voltando pra casa do trabalho flagrei-me rindo em meio à neblina vermelha das oito horas da noite paulistana. O que deveria ser um momento de stress transformou-se numa pausa à realidade muito bem enfeitada com reflexões carinhosas a respeito do meu dia de labuta (incluindo nisso os malefícios inerentes ao lavoro) e, mais que isso, do dia anterior passado em branco. Por branco, peço que não interprete a falta de um presente físico, até porque o metafísico chegou - um pouco tarde, nos 45 do segundo tempo, mas só pra fazer jus à temporalidade tão única a este profissional homenageado no 7 de abril.

Minha reflexão começou quando ouvi na Rádio Jovem Pan alguma chamada do tipo "Cientista X admite que os estudos Y não proveram resultados concretos a respeito de Z". Aí me dei conta de quão infeliz havia sido a escolha da palavra "admite", já que o cientista absolutamente nada tinha a ver com a instituição que fomentara os estudos, e seu depoimento até então fora certamente um dos mais importantes e coerentes a respeito do assunto. Ainda assim, fora lapidado ao cientista a ideia de alguém que outrora mentira sobre estudos cruciais à humanidade, e admitia apenas agora seu erro na questão. Você vai dizer "claro que o raciocínio do ouvinte não foi tão longe" - talvez não num primeiro momento ou numa camada mais rasa do consciente, mas é incrível o poder que algumas palavras têm na formação de opinião. Inclusive, aí jaz uma das justificativas pelas quais nem mais me dou ao trabalho de responder ao corriqueiro "Jornalismo? Putz, e o diploma não vale mais nada, né?"

Lembrei-me então de um comentário virtual que fiz a respeito da morte do Chávez, de como me expressei mal e de como fui mal-interpretada. Nesse caso, eu estava no lugar da jornalista medíocre e incapaz de escolher palavras mais adequadas pra falar de um assunto tão polêmico (e, com exceção do falecimento do Chorão e do preço do tomate, não me lembro de ter visto assunto mais controverso que a morte do 'ditador fdp'/'deus na terra' - como queira). Minha intenção naquele momento era fazer um apelo aos desinformados de plantão que aproveitavam a ocasião para vomitar opiniões rasas a respeito de um tema complexo. Não que estivessem 'certas' ou 'erradas' - isto nunca nem foi ponto da minha crítica, até porque se fosse, contradiria a conclusão à qual quero chegar aqui - mas eram, em sua maioria, sem fundamento.

Não sou (anti)chavista e nem acho que precise adotar qualquer uma das duas posturas. Tento, assim, colocar-me fora dessa tão humana mania que é maniqueizar os assuntos e procurar, numa tentativa frustrada, defini-los todos em duas vertentes que se anulam, se compensam e se contrapõem. Como no caso do Chávez, do aborto, das drogas, do auxílio-reclusão, do Feliciano, da Margaret Thatcher, do capitalismo selvagem e da missão do ser humano no universo. Tento, num exercício diário, colocar-me fora desse tão humano hábito que é querer achar resposta pra tudo, colocar pingos nos is onde houver is, pintar de branco o que for de branco e deixar preto onde for de preto. Tento colorir os espaços com tons de cinza e fracasso quando critico o best-seller sem sequer ter lido. Tento, na mais frustrada das tentativas, entender por que o Chávez é ditador fdp E deus na terra ao mesmo tempo, e tento, sem obter o mais singelo dos sucessos, decidir se amo o capitalismo selvagem ou se me declaro com orgulho e louvor uma militante comunista. Tento, sem a menor credibilidade, explicar aos outros quão importante é estar informado antes de expressar opinião, ouvindo sempre a réplica irrefutável que defende a tão democrática liberdade de expressão.

Tento muito e não sucedo nunca. Depois tento achar uma resposta à dúvida: devo parar de tentar? Também fracasso. Fracasso em todas as tentativas e estampo um sorriso conformista típico do jornalista que tem noção de sua realidade, mas se contenta com a beleza imperfeita que ela lhe traz (pra não dizer as pautas que ela lhe traz). Feliz dia do Jornalista aos que já descobriram a inexistência de uma verdade - aos outros, fica aquele agradecimento do feirante pelo papel de embrulhar peixe.