sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Dá um tempo

Surda-muda e voltada para os meus discursos interiores, não me restava senão o tempo. Partindo da conclusão estabelecida por Albert e sua teoria onipresente de que o tempo é relativo, sucumbi à intimidade que jamais desejara criar com ele - com o tempo. Nu e cru. Ou um tanto cozido pelos pensamentos, pela reflexão e pela surdez, assim como o peixe no limão. Parece cru, mas não é.

É cozido.

E é familiar. Metamorfoseado no que instantaneamente e depois se converte em memória, o tempo é tão disforme quanto concreto, e se apresenta da forma como queremos empreender nossos esforços ou recolher-nos à discrição. O tempo, portanto, não é cru. Ele é assado no trabalho, é grelhado no exercício, é frito na diversão e é cozido no vapor do sexo. O tempo nu e cru é a ausência de memória, e daí a impossibilidade inerente ao tempo de ser cru. Tudo é intoxicado de memórias - elas são o tempero do peixe.

O tempo é excruciante e inacabável a quem não o consome, apenas deixa que ele passe. As memórias não o camuflam e muito menos aceleram. A quem se atenta a cada pedaço dele, ele é tortura pura, é cozido, frito e duro de tão bem-passado. É uma sola de sapato, mas daquele que já andou pra muito longe e viu memória se esvair, saudade ascender e tempo passar.

É doído, é saudosista e é masoquista. Podia-se muito bem abrir mão da memória, passar o tempo cru e sem memória, ou até mesmo beber pra esquecer. Mas sem memória não tem tempo, e sem tempo não tem sofrimento. E que graça tem o tempo quando ele passa sem que tenha sofrimento? É leve e não se sente, é insustentável. Ninguém merece.